Projetos e Histórias de Vida que inspiram

Todo mundo tem problemas. Certo? Errado. Como eu já disse antes, muitos de nós temos mais incômodos do que problemas. E não dá para comparar. 
Por natureza, não sou reclamona. Tenho o hábito de ver algo de bom nas situações ruins, sou um tanto quanto Polyana (se você não sabe quem é, tem menos de trinta anos e precisa se informar kkkk). Mas, mais do que isso, sinceramente, tenho realmente muito a agradecer na vida. 
Tem gente, por outro lado, que de fato tem ou teve problemas. E cada um reage de forma diferente aos problemas que aparecem, e quem somos nós para julgar tais reações?
Só que algumas pessoas são inspiradoras na, digamos, administração do problema, e mais ainda no caminho para sua superação. 
Um evento pode mudar toda a sua vida, fazer você enxergar e fazer tudo de forma totalmente diferente. Inclusive, pode fazer você ter novas metas e projetos de vida.
Ou não. Com o passar do tempo, vamos percebendo nossas vocações para melhorar o mundo. Sim, todo mundo tem uma, é só deixar ela aparecer e seguir. A minha é combate à discriminação em geral e especialmente no trabalho, e à violência contra a mulher. Por isso estou, junto com as meninas, numa continuação do projeto Mulheres que Correm, voltado a isso. Falarei mais sobre ele na semana que vem, mas muitas das corredoras já estão por dentro e participando. Ação simples, nada espetacular, do jeito que acredito que pode ser: cada um, um pouquinho. 
Mas hoje o post é de uma mulher que corre que tem uma história muito especial. Não é uma história alegre, mas o modo que ela escolheu lidar com o evento que mudou sua vida é inspirador. E certamente tem final feliz. Se ainda não teve, não chegou ao fim. Tenho outras histórias para compartilhar com vocês, mas preciso que seja agora essa, pelo timing, afinal de contas, não é sempre que tenho como convidada especial do blog alguém que vai conduzir a tocha olimpica. 
Com vocês, Márcia Bina.

"Um novo começo

Meu nome é Márcia Bina, sou atleta amadora de corrida de rua e agora na luta para virar triatleta. No dia 30 de novembro de 2014, eu fui atropelada e muita coisa na minha vida mudou depois disso. Costumo dizer que eu sempre fui “atleta de alma”, quando criança eu gostava de disputar até par ou ímpar, já joguei tudo que vocês podem imaginar, fiz até faculdade de Educação Física.

Naquele dia, era um domingo, sete e pouco da manhã e estava indo fazer uma prova de corrida em Balneário Camboriú, SC. Antes da largada resolvi voltar até o local onde meu carro estava estacionado pra buscar uma camiseta que tinha vendido para um amigo (tenho uma loja virtual, inclusive, sobre a temática corrida -  www.lojacorreria.com.br). Quando estava a uns dois carros de distância do meu, e já vinha pelo costado dos carros, um motorista em alta velocidade, veio fazendo cavalo de pau, e sem qualquer tipo de tempo de reação, fui pega em cheio, prensada contra o carro que estava estacionado (esse carro, inclusive, deu perda total). O carro ainda bateu em outros dois e parou no meio da rua. No fim desta avenida já havia barreira de segurança, pois a prova passaria por ali. O motorista foi abordado imediatamente pelos agentes de trânsito, ele não sabia nem onde estava, qual era a hora, estava visivelmente embriagado (atestado no BO) e, inclusive, encontraram dois tipos de droga no automóvel dele.
Bom, quanto a mim? Eu lembro de absolutamente todos os momentos daquele dia, fiquei acordada o tempo todo. Lembro da sensação de ver o carro vindo, a impotência total e pensar naqueles segundos que tudo tinha acabado ali. Até hoje é uma sensação muito estranha, que não gosto de pensar. Lembro também de  estar deitada no chão, com todos os paramédicos a minha volta, sentir a tensão enquanto já estava com colar cervical e um deles me pediu pra mexer o dedo do pé. “E se não mexer?”, lembro muito de pensar isso. Fui para o hospital e tive fratura de quadril, três vértebras da coluna, fratura de perna, joelho, estiramento de ligamento de joelhos, milhões de hematomas e tudo mais que vocês podem imaginar. Eu estava inscrita para a São Silvestre em dezembro e começava os treinos para fazer a minha primeira maratona em 2015. Tudo abortado, esquecido, adiado. 
Andei de cadeira de rodas, fiquei mais de 70 dias imóvel numa cama, nem no banheiro podia ir sozinha, tive que reaprender a andar, porque é engraçado, quando você fica muito tempo inerte, mesmo que possa andar, você esquece como é, perde o equilíbrio. Mas, em momento algum pensei em não correr mais, correr é minha vida. Quando a fase de recuperação saiu do “apenas esperar” para a fisioterapia eu fazia o dobro do que as minhas fisios mandavam. Fazia desafios diários para mim mesma, tipo, se eu fiz 10 contrações de perna em 30 segundos ontem, hoje farei 15. Se subi até a fisio de muletas em 3 minutos e 15 ontem, hoje tenho que conseguir em 3 minutos e 14, e outras sandices mais.
Tive anjos nesse longo tratamento, meu médico maluco (um ortopedista que é triatleta e entendia toda aquela ânsia por voltar), duas fisioterapeutas e meu personal. 
A volta - Voltei a correr, de forma impressionante, ninguém acredita, no dia 14 de junho do ano seguinte, apenas 6 meses e meio depois de tudo isso. Foram apenas 5k, em longos minutos, mas eu consegui. (A foto ajoelhada no chão é desse dia, na meia maratona de Floripa. Foi uma catarse) Ainda sofro para poder correr, nada voltou a ser como era, mas a cada dia, o que digo é, alongarei mais, fortalecerei mais e, quem sabe, um dia eu consiga realizar aquele sonho: a maratona.
Mas, sabe, meninas, aprendi nesse meio tempo que nem tudo precisa ser exatamente como a gente sonhou. A gente pode buscar “novos caminhos”. Se dói e não posso correr longas distância, eu sou feliz por poder estar aqui e correr qualquer distância e, mais ainda, aprendi também que você pode adaptar seus sonhos. Hoje eu treino para fazer um sprint de triathlon. Mas meu maior desafio todos os dias é não esquecer. Não esquecer para buscar justiça, claro, porque afinal quem bebe, dirige e comete um crime, tem que pagar por isso, mas não esquecer que é preciso sorrir, mesmo que esteja difícil, e seguir em frente, porque viver é um privilégio.
Aí depois de tudo isso, um dia muito difícil de fisioterapia e angústias, eu recebi uma ligação. Do outro lado da linha alguém fala: a sra foi selecionada para ser condutora da tocha olímpica. E, de repente, todo aquele sofrimento, todos as dúvidas que sempre me afligiam, "porquê tudo aquilo", acabaram indo embora. Sei lá o porquê, nunca vou saber, mas uma coisa eu sei, se tudo aquilo aconteceu para que eu tivesse a alegria de poder carregar o maior símbolo do esporte, então valeu a pena. Por 200 metros, eu serei olímpica. Viver não é o máximo?"






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