Afinal, aonde nós, corredores, queremos chegar? Estamos indo no caminho certo?

Agora a pessoa endoidou, pensam vocês lendo o título. O excesso de endorfinas no cérebro depois da corrida tirou a moça do eixo.
Isso é alegria! Fim da meia de NY, em 2013, já com a calça quentinha por cima, e a manta. Detalhe dos óculos nada específicos. 

Nada, na verdade só quero dar uma viajada nos rumos da corrida junto com vocês. 
Sábado passado eu estive em um curso sobre corrida (parte dele, pelo menos), ministrado pelo meu treinador Diogo Gamboa, que é O cara. 
E além de ter aprendido várias coisas que eu já deveria saber por treinar com ele, mas que não sabia porque nos encontramos menos do que eu gostaria (culpa minha), fiquei sabendo de alguns dados estatísticos que ele apresentou, e algumas conclusões me chamaram a atenção.
Por exemplo, nos 10km, o ranking de 1997 apresentava como primeiro lugar um corredor com tempo de 28'08. Não o compare conosco, que podemos fazer 5km nesse tempo. Compare com o primeiro do ranking de 2007 que fazia em 27'28 hahahaha. Mas o mais interessante vem agora: Em 2017, o tempo do primeiro colocado foi de 29'06, e esse cara seria o 12º em 1997!!!
Em 10km, essa diferença de quase um minuto, é muito tempo. Basta ver a luta que é para nós, mortais, baixarmos 30 segundos do nosso tempo anterior em provas de 5km e 10km quando estamos mais bem treinados. A real é que no início da vida de corredor, a gente só vai. Tem quem faça a primeira prova de 5km em 36' a segunda em 31', a terceira em 28'. E daí em diante para baixar, começa a ficar mais difícil. Normal. Quanto mais treinado, mais difícil melhorar, por incrível que possa parecer. 
Mas voltando aos tempos dos profissionais, fiquei pensando no que aconteceu. Afinal de contas, temos muito mais tecnologia e conhecimento hoje do que tínhamos há dez anos, quanto mais vinte,  não? Os tênis são mais responsivos, tecnológicos, eficientes, prometem economia de energia, conforto...Conhecemos nossa pisada e existem tênis para a pisada certa. Estudamos a melhor técnica e postura, movimentos de braços durante a corrida, passada, cadência...
Existem roupas melhores para correr, a poliamida é melhor, temos óculos específicos para corredores, as meias têm tecnologia e não cortam os pés, os shorts melhoraram, roupas térmicas!! (eu de short na meia de NY, ao lado do povo de calça northface hahahaha).
E os suplementos? Hoje temos BCAA, glutamina, whey, l-carnitina, beta-alanina, muitas outras "inas", fora o que é ilegal ou de procedência e licitude duvidosas, porque nem se sabe direito o que tem na composição (os blends...).  
Além disso, todo mundo sabe (agora) que corredor tem que fazer exercício de força. Musculação, funcional, o que for, mas tem que fortalecer o corpo, especialmente coxas, glúteo médio, panturrilhas e core, para correr melhor e não se lesionar. Os corredores mais velhos que conheço nunca fizeram musculação, correm maratonas, e fundista não faz musculação, é magrelo e acabou. 
Por fim, temos os maravilhosos relógios com GPS. E com muito mais coisas, com programação de treino, alertas de batimento cardíaco, volta, tempo, calorias, distância, intervalo! Você sabe o seu pace, ou seja, em quanto tempo você corre um km, ou sua velocidade na corrida, em tempo real!!! E ainda tem os aplicativos maravilhosos para você se organizar e ver seus treinos, e, claro, compartilhar com o universo das mídias digitais e redes sociais. 
A Nike, a Fila, a Mizuno, a Adidas, investiram zilhões de dólares em pesquisas e depois na criação de modelos de tênis que possam fazer corredores melhores, e patrocinam corredores, que hoje têm muito mais acesso a isso tudo. Lançaram um desafio de correr uma maratona sub 2h, e faltaram 26 segundos para isso ser possível para o Eliud Kipchoge (em condições super mega ideais), e a gente luta para fazer metade da maratona em 2 horas. 
Então como, apesar de tudo isso, o nível profissional, ao menos no Brasil, caiu? 
Falemos dos amadores. O corredor raiz, até a década de 90,  e mesmo no início do novo milênio, não sabia seu tipo de pisada, usava a meia que estivesse no armário, aquecia com polichinelos,  e usava um relógio que marcava, tipo, as horas, ou seja, o tempo da corrida. Não havia chip cronometrando as provas, e o sujeito recebia senhas ao longo do percurso para entregar ao final e provar que não cortou caminho, ganhando sua medalha. 
Ele comia banana ou pão antes do treino, ou pão com banana,  com café com leite, claro, e na volta mais pão com presunto e queijo, e quem sabe um chocoleite ou nescau para repor. Ele não tinha nutricionista, nem personal, e nunca ouviu falar de funcional, crosstraining...Durante o treino, só água e nem era tanta assim.
Conheço gente que correu morro, asfalto, terra batida, e nada disso tinha nome especial (trail??). Era só correr, afinal. E corriam, muitos em ótimos tempos. 
Será que eles eram melhores? Genética melhor? treinos melhores? Tempos melhores em provas? e hoje, será que ainda correm? 
E nós? Que corredores somos?
No campo profissional, apesar de tanta inovação, não vemos o Poder Público investir no atletismo como merece, não no Brasil. O atletismo nunca mereceu destaque de orçamento público, pelo contrário, vemos cortes a cada mencionada crise de qualquer setor. Os profissionais mesmo, são cada vez mais raros, porque não conseguem viver do esporte e, tendo outro emprego, não podem se dedicar tanto quanto um corredor americano que recebe bolsa, tênis, roupas, treinador e condições de treino o ano todo, 24 horas por dia. Não dá para comparar. 
Por outro lado, os patrocinadores exigem bastante de seus atletas. Não basta ganhar, tem uma série de compromissos a cumprir, inclusive beneficentes, eventos sociais, festas (atleta em festa, quem imaginaria!), lançamentos de modelos novos, fora todas as sessões de fotos. Tem que aparecer, porque os corredores amadores são os grandes consumidores, e eles vão comprar o que aparecer nos melhores pés, ou ainda  nos pés com o melhor marketing, qual ganha? 
Hoje, há muito dinheiro envolvido no mundo das corridas, mas não reflete o resultado que se obtém, necessariamente. Embora a gente esteja vendo alguns correndo cada vez mais rápido, na média, no Brasil, o que se vê é decadência. 
Mas o que acho mais interessante é perceber que o aumento no número de corredores no país, que é exponencial,  não refletiu uma melhora no nível de corredores. Pelo contrário, parece que quanto mais gente corre, menos gente corre tão rápido quanto antigamente. 
Os grandes talentos não estão aparecendo como antes. Não há ninguém nem próximo de Marilson dos Santos. Adriano Bastos, que é um cara super divertido, dedicado, sem dúvida, ganhava sempre na Disney, prova super Nutella, por que? sem premiação em dinheiro. Pelo contrário, a pessoa paga muito caro para correr lá. 
Provas com premiação em dinheiro atraem atletas que vivem do atletismo, que muitas vezes são convidados a participar, não precisam pagar inscrição, e recebem alguns privilégios, em geral bem justos. Claro que somos nós, os mais de cinco mil amadores de provas grandes, que, com nossa inscrição cara, estamos bancando tudo isso junto com os patrocinadores. Não me oponho, e compreendo, desde que perceba que isso dá um retorno ao profissional. 
E ainda assim vez ou outra aparece um amador, ou uma amadora, que belisca um terceiro ou quarto lugar no pódio. Talvez porque essa amadora tenha uma rotina de treinos também puxada, mas com uma infrastrutura mais adequada, como a suplementação, nutricionista, treinador, etc, e esteja mais descansada na prova do que a profissional. Podemos dizer, então, que talvez falte foco para quem quer ser profissional? Não sei, estou aqui especulando mesmo.
Diogo Gamboa mencionou que percebe que o pessoal está começando tarde, e isso ele percebe nos tempos de pista da garotada de 15, 16 anos, muito superior ao pessoal de anos atrás, que corria a infância toda, e quando chegava aos 16 já era muito veloz, só precisava de técnica e lapidar o talento. Verdade, há muita criança que passa agora a infância na frente de eletrônicos, e depois começa a fazer esporte, mais difícil de alcançar o topo no tempo certo. Além disso, há muita distração, como falei, com festas de lançamento, comparecimento em eventos, etc, e isso eu não tenho dúvidas de que desvia do caminho, jovem gosta de festar, eu gostava. 
Por outro lado, também vimos carreiras curtas no esporte de alto rendimento, de profissionais, porque logo lesionaram ou, pior, foram expulsos por dopping. Mas os quenianos? ah, pois é, os africanos são diferentes, e um cara como Mo Farah, depois de anos arrebentando em provas curtas, será o grande maratonista da história atual, provavelmente, e ganha provas de 5000 e 10000 metros desde 2006, migrando para outras distâncias como tem que ser feito. Sem pressa, com muito treino e determinação. Foco total, provavelmente. Ele não é engraçado como nosso querido Usain Bolt, embora simpático, nem festeiro...a proposta é outra. E na real as distâncias do Mo Farah têm muito mais a ver com o que a gente corre, e não o Bolt. Teoricamente o que ele usa deveria ser nosso objetivo. O tênis com pregos do Bolt não vai ser vendido para nós, mas ele tem um baita carisma e parece mais, digamos, gente como a gente (não que seja, né?). 
Como amadora, o que eu posso dizer das mudanças? Importantíssimas. Não tenho biotipo de corredora, não mesmo. Sou a magra (sempre querendo perder mais 2kg) normal, normalíssima, com tendência a encorpar com a musculação, ganho músculos bem fácil, então posso ficar bem pesada para correr. Luto contra a natureza diariamente. Nunca seria a corredora mediana que sou hoje se ficasse na vida roots, raiz, só correndo loucamente.
Uma dieta adequada com a ótima nutricionista fez toda a diferença para eu ter força, disposição para correr, sem morrer de fome nem comer demais o que não devo. Um bom treinador, com planilha adequada, então, é tudo na vida. Me lesionei a primeira vez (a mais grave) exatamente quando aumentei demais o volume e não tinha tempo de fazer musculação, fiquei sem fortalecimento. Nunca mais faço isso. O pilates agregou muito a minha qualidade na corrida. Lesão? primeiro no osteopata, e depois no médico. Se precisar. E quase nunca precisa.  
Uso suplementos, sim, especialmente visando a recuperação. Experimentei meses de natureza absoluta, mas a gente tem que escolher, corrida solta ou querendo um rendimento. Tenho mais de 40 anos, mulher, parte hormonal, e comecei a correr velha. Ou seja, para render, no meu caso, vejam, não estou dando receita para ninguém, mas eu preciso de Glutamina, BCAA, suplementos de vitaminas e minerais, e o whey é muito prático para quem não tem tempo de fazer ovos direto, nem quer sentir cheiro de vômito do ovo cozido na lancheira todos os dias. Tenho lactobacilos para cuidar da flora intestinal, o segundo cérebro,  antioxidantes, porque sim, liberamos muitos radicais livres, e não estou a fim de envelhecer mais do que o necessário. Quero correr até ficar velhinha, não posso me acabar. 
Esses suplementos, a alimentação voltada para os treinos, musculação, isso eu faço desde que comecei a correr levando a sério. 
Então, para os amadores, esses novos conhecimentos permitiram que corressem melhor e por mais tempo, digo na vida mesmo. Eu comecei a correr com 30 anos,  de leve, e mais seriamente só com 34...não tenho a base de quem sempre foi atleta. Fugia da aula de educação física e só gostava de natação, e sem vontade de competir. Sem tudo o que temos hoje em dia, eu tenho certeza de que não poderia correr o tanto que quero e que me faz feliz, com saúde. 
Mas quanto a equipamentos, é diferente. Muito mais efeito placebo, eu acho. Quando fiz a meia maratona de NY, minha primeira, eu tinha um Polar com cronometro e que era à prova d'água. E fui com ele para lá. Eu e Everton, meu treinador da época, fizemos alguns treinos na esteira para buscar ritmo, e na rua era mais pelo sentimento mesmo, e dava certo. No dia da prova, o combinado era acompanhar a marcação perfeita do percurso (a cada 5km e também em  milhas), e ir controlando. Fazer os primeiros 5km para abaixo de 28 e mais de 25, os 10km entre 52 e 55, e assim terminar a prova em menos de duas horas. A real é que eu só fui sentindo e foi dando certo! Eu estava treinada e pronto, e terminei em 1h56, felizona, nada destruída, como podem ver acima.


Coragem é isso, mostrar como eu fui para correr. Tapando os ouvidos, luvas compradas na lojinha de souvenirs (dei para o homeless no central park mas passei frio depois), casaquinho (que era para tirar, nunca tirei, muito frio mesmo com manguito de lã emprestado), e short, sim short, a 2°, porque nem sabia que existia calça térmica, descobri vendo o símbolo da northface em várias pessoas nórdicas próximas a mim...

Quando comecei a querer ter mais resultados, ficando mais competitiva, o gps fez muita diferença, mas hoje em dia tenho uma dificuldade enorme em conhecer meu ritmo. A gente vicia no raio do negócio, e em vez de sentir o corpo, olha no relógio. Agora, meu corpo funciona muito em função do dia. Meu ritmo confortável varia conforme meu cansaço, o que comi durante o dia, se bebi na noite anterior...e aí eu acho que estou para 5'15 e estou para 5'25, ou vice-versa. Estou tentando voltar a me perceber melhor, aproveitando que meu novo tomtom está meio descompassado e não está acompanhando o aumento da velocidade como deveria, então sou obrigada a seguir mais os instintos. Prestar atenção na respiração, cuidar da passada, colocar em prática tudo que vem sendo ensinado para mim, inclusive pelo Corrida Perfeita. 
Então, afinal, o que verdadeiramente importa hoje em dia? Popularizamos a corrida, oba, bota pra correr é meu lema, felicidade já, mas sou amadora, não vivo disso. Adoro a Nike inventando moda nova, criações, provas de corrida em toda parte e de todos os tipos,  mas  não podemos esquecer que o atletismo, a corrida, não é só isso. É a busca pelo melhor tempo, o menor tempo, dentro da distância que se escolhe, sem firulas, e para isso, não estou certa de que tudo o que se apresentou até agora vai dar o resultado sem uma política efetiva voltada ao esporte, investindo nos profissionais com a mesma vontade que se investe nos amadores. Nós, amadores, buscamos e compramos o que pudermos para melhorar, e não seremos profissionais, é para nosso lazer, desenvolvimento pessoal, elevação da autoestima, saúde, disposição, vaidade... Não faz sentido que os profissionais não tenham acesso ao mesmo que nós, precisando de verdade! Tenho uma solução? Claro que não. Tenho é essa pequena angústia agora, e a vontade de sair correndo descalça na areia e ver o que acontece no final.  Quem vem?




Comentários

  1. Andrea, diante de um texto tão bem escrito e minucioso, fica até difícil comentar. Mas, pensando na razão de fazer o tempo dos profissionais cair hoje em dia. Penso que seja investimento mesmo. Este "investimento" entendo que seja do poder público (Educação Física nas escolas, professores preparados e motivados), da iniciativa privada (apoio nas escolinhas de Atletismo e aos atletas com destaque) e também das crianças/adolescentes que parecem, hoje em dia, buscar um caminho mais curto e glamuroso para a vida. Gostaria de estar enganado, mas essas novas gerações, em grande maioria, são mais folgadas. Dói falar isso, porque tenho filhos e parte da culpa disso está inclusive na educação eles recebem. Quando eu falo "em grande maioria" é porque há exceções, claro! Nessas exceções que depositamos nossas esperanças para bons resultados, alto rendimento, destaque nacional, mundial, medalha. Resumindo, um ATLETA de verdade que serve sempre de inspiração.
    Mas, eu tenho pensando bastante sobre o mundo da corrida, especialmente a de rua, estar mudando a vida das pessoas "comuns". Podemos lamentar os tempos dos prós piorarem, mas devemos enaltecer as pessoas saindo da sua zona de conforto. Tirando a bunda do sofá, com o perdão da expressão. Cada vez tem mais gente correndo, especialmente na faixa de 35-50 anos, buscando uma melhora de vida. Isso é extremamente louvável. Ganham todos, inclusive aquele garotinho que se destaca e que não tem condições de ter uma boa condição para treinar. Sabe por que? Porque eventualmente aparece um empresário que descobre o valor da corrida na vida e resolve ajudar. Por que o Abílio Diniz criou o grupo de corrida do Pão de Açúcar? Porque ele corre, até hoje. Seus filhos ajudaram. Isso teve uma importância muito grande no esporte Brasileiro, Atletismo e Triathlon. Tá certo que o exemplo foi extremo. Nós sabemos que há solidariedade neste mundo, sempre tem gente tentando ajudar.
    Neste sábado, acabei falando bastante com o Diogo sobre esse negócio de : raiz x Nutella, na corrida e no Triathlon. Todo mundo quer correr com o melhor equipamento, hoje e sempre. Ah, mas antigamente não tinha a tecnologia de hoje. Claro que não. Mas quando tinha um lançamento novo, quem podia, comprava. Hoje se fala nas melhoras das bicicletas, que estão anos-luz comparadas às de 20 anos atrás. É verdade, mas o cara que corria com a Caloi 10 na década de 80, se tivesse condições, compraria e comprou a inovação daquela época. Hoje em dia, embora tão caro, está mais acessível. Há milhões de marcas de artigos esportivos, para cada biotipo, bolso, preferência, signo, mapa astral, tudo! Cada um vai até onde pode.
    Enfim, esse assunto renderia muito mais...
    Ah! Quem vem? Eu vou, mas tu tens que me esperar porque tais correndo muito. Parabéns!
    Mario Lenz

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  2. Adorei, Mário. Mas isso que eu falo: para nós, amadores, está tudo muito melhor, não tenho dúvidas. No campo profissional falta muita coisa, mas acho que especialmente determinação, disciplina e investimento, claro. E de fato, todo mundo quer o melhor dos equipamentos para seu esporte...Você é maratonista, meu amigo, outro papo, vou rápido mas você vai mais longe, bem mais longe...

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