Ficar velha x envelhecer - nós e Madonna

 

Então é isso, a Madonna está diferente. Sim, ela também. Todo mundo mudou nos últimos  trinta, vinte anos da sua vida. A não ser minha madrinha, que continua exatamente igual (impressionante). O negócio é que as mulheres (porque sim, estamos mesmo é falando de mulheres) mudam pela ação do tempo, algumas, naturalmente (ou nem tanto, porque privação do sono e subnutrição antecipam tudo, assim como o fumo), e outras mudam pela ação da tecnologia. Mas já vimos que é impossível, pelo menos até agora, que você, mulher, com 60 anos, continue se parecendo com você de 30 anos, aquela você cheia de colágeno, alvo de suas próprias críticas quando se via no espelho e nas fotos.

O que é possível é você parecer ter um pouco menos de 60 anos, parecendo ser você mesma, o que estão chamando de “envelhecer bem” (por enquanto), ou parecer outra pessoa, com uma idade um pouco indefinida, mas com certeza bem menos de sessenta anos, retirando aquilo que torna alguém uma pessoa de 60 anos: rugas nos olhos, na testa,  na boca, flacidez. E quem faz essa escolha tem que se (re)conhecer novamente, porque elegeu prioridade. E é problema dela, ou pelo menos deveria ser. O bom e velho “ela está bem para a idade” tem muitos rótulos, e pode, ou não, ser um elogio para quem ouve.

Mas a patrulha de “regras de envelhecimento” ataca todas as opções: as mudanças pela tecnologia, nas duas formas: sutil (“deve ter gasto uma fortuna e está quase igual”) ou mais efetiva (“não aceita a idade”), e também a, digamos, escolha, de “assumir” a idade que tem (“se largou”). Até pintar ou não o cabelo virou problema de todo mundo. Para nós, não tem bom. Lembrando que este debate se dá em um espaço de altíssimo privilégio, porque a grande maioria das mulheres não tem a opção de envelhecer de forma, digamos, reduzida ou alterada, pela tecnologia. Ela só segue vivendo, torcendo para chegar à velhice e com saúde, porque ainda é a melhor opção, no geral.

E quando alguém diz que determinada mulher não aceita a idade que tem, claramente está falando unicamente da parte estética, especialmente do rosto. Porque em se tratando de itens do pacote de envelhecimento, alguns não estão abertos à recusa, como a menopausa. Ela é bem democrática, vem para todas em algum momento. Mas, claro, os efeitos da menopausa podem variar muito, entre as que fazem reposição hormonal e as que não fazem, mas mesmo dentro dos dois grupos já temos diferentes reações. Porque vejam só, que surpresa: não somos todas iguais.

E o tal pacote envelhecimento tem itens nada desprezíveis, que evitam os sofrimentos que já tivemos na juventude: autoconhecimento e amadurecimento, que, bem aproveitados, trazem mudanças (positivas) no estilo de vida, nas relações com outras pessoas, melhora na autoestima, mais possibilidades de escolhas de prioridade, e isso pode também se refletir no seu aspecto físico. Eu gosto bem mais de quem eu sou hoje do que de quem eu era no século passado (isso, eu sou do século e do milênio passados). Mas, seguimos não podendo ter tudo. Esforço-me hoje o dobro para tentar ter pelo menos mais da metade do resultado em se tratando de rendimento esportivo e dieta, por exemplo. Mas a consciência de que isso é muito importante para eu chegar à velhice efetiva com alegria e saúde me move, além de ficar bem no momento presente.

O que quero trazer para hoje é essa diferença entre envelhecimento e estar velha, para fins de convenções sociais que se estabeleceram. Todo o patrulhamento (que é feito em boa parte por mulheres em cima de mulheres, o que é uma pena para o movimento feminista), assim como as críticas decorrentes, giram em torno do processo em si. A mulher não aceitar, não se conformar, com a perda da juventude epidérmica, digamos assim, e tentar retardar o processo de envelhecimento com procedimentos de diversos tipos, dos mais invasivos à utilização de terapias alternativas, passando, sim, pela escolha do corte e da cor dos cabelos, é algo que perturba tremendamente um coletivo, o que talvez se deva a um entendimento ancestral de que não somos as únicas donas dos nossos corpos.

Mas isso é no processo, até finalmente chegar aquele momento: a senhorinha de mais de 80 anos (e já vou falar desse negócio da idade em si), usando vestido considerado como de idosa (padrões estabelecidos), cabelo bem branquinho, de preferência usando óculos,  sapatos fechados com um salto quadrado baixo. Essa senhorinha não sofre críticas, ela é fofa. Pelo menos ela não precisa mais fazer tricô nem estar meio surda para ser adorável, como o imaginário coletivo já entendeu. Mas ela é “a senhora” que é perdoada por ser...velha.

Ela pode finalmente ser idosa como quiser. E talvez seja uma Miss Marple, gênio na solução de crimes cruéis, mas ela está esteticamente “adequada” à idade que tem, e não perturba mais aquele coletivo (menos a Jane Fonda). Ela não “tenta” parecer mais jovem, ela é quem ela é, e respeitada. Mas vinte e cinco anos antes, trinta anos antes, entre 50 e 60 anos de idade, o que era “adequado” em relação à sua aparência, afinal?

Quando eu era criança, minhas avós pareciam velhinhas para mim. Antes eu achava que era porque eu era pequena e toda criança acha um adulto muito velho. Mas não penso mais assim. Claro que eu achava meu pai meio velho quando eu tinha uns 10 anos, e ele não tinha nem 40 anos. Mas como ele era com quarenta anos? Calça meio alta na cintura e curta na perna, cinto feio, camisa estranha, óculos com armação grossa, já bem careca atrás. E minha avó, que só usava calça comprida no inverno, de lã, e no resto do ano só usava saia e vestido, porque mulheres não usavam calça comprida na época dela?! E a saia, como imaginam, era daquele jeitinho, com meia calça bege (então, chamada cor da pele – a dela). O ápice da sua velhice foi quando ela deixou de pintar os cabelos. Com uns 65 anos, eu acho. E eu a via como uma pessoa muito, muito idosa. Ela morreu com 71 anos, eu tinha 15, e parecia que ela era jurássica, do tipo que jantou com Eva e Adão (há uma lenda de que eu teria perguntado isso a ela).

Minha mãe tem 72 anos, e meu filho de 13 não a acha velhinha, e não admite que digam isso dela. Vovó é vovó, do jeitinho dela, mais velha, claro, mas incrível, independente, rápida, que ganha na canastra e no jogo de memória, viajando o mundo todo, e que pode fazer o que quiser. E meu filho me acha jovem, realmente jovem, e que minha aparência é de ainda mais jovem (oba para mim).

Mas olhando fotos, quando tinha minha idade atual, minha mãe parecia ter dez anos a mais do que eu agora. A impressão que tenho é de que aos 45 anos minha mãe parecia ter 60, e aos 60, parecia ter no máximo 55, ela meio que voltou no tempo. E não foi só ela, as mães das minhas amigas, e as minhas tias, também.

Quando dizem que os 40 são os novos 30 e assim por diante, agora eu entendo o sentido. Minha mãe nunca usou biquini porque quando inventaram ela já estava casada – ela casou com 19 anos, e aí achou que estava velha para usar um “duas peças”. Eu comecei a correr com quase 30 anos de idade. Por outro lado, minha mãe se aposentou antes dos 50 anos de idade – regras da época – e fez outra faculdade, e voltou a dar aulas na nova área por mais um bom tempo. Aos 65, ela estava tão ativa quanto eu, vinte e cinco anos mais jovem.

O que eu quero dizer é que está tudo bem bagunçado, porque podemos escolher como queremos viver agora, no envelhecer, para ter a melhor velhice real possível,  com boa parte da plateia admirando quem ainda se propõe a novos desafios profissionais, esportivos, de lazer, desde que isso não desafie as regras  – em constante mutação -  sobre como nossos rostos devem estar nesse processo, para não parecermos jovens demais nem velhas demais, alteradas demais, mas nem “largadas” demais.

Incrível. Ficou mais fácil ter 80 do que 60.

E a Madonna, então? Ah, Madonna sempre fez o que quis, a vida toda, pagou um preço alto algumas  vezes (e não sabemos nem da metade), inventou o pop como é hoje, permitiu que surgissem e pudessem ser quem são, Miley Cyrus, Taylor Swift, Anitta, e exatamente por isso, por desafiar convenções de mais de uma época, ela inspirou e tem uma legião de fãs há mais de 30 anos, incomodando muita gente ao mesmo tempo. Era só o que faltava agora alguém pautar como ela deve cuidar do seu próprio rosto. Isso violaria seu próprio código de conduta, então apenas deixem Madonna ser Madonna. Aproveitando essa liberação, vamos combinar que,  se cada um e cada uma cuidar do seu próprio rosto e da sua saúde, dá para todo mundo ser feliz e ainda sobra tempo para uma corridinha, um café e um vinho, porque equilíbrio é tudo.

 

 

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