Por que eu (ainda) adoro correr meia maratona
Quero começar dizendo que distância não define se alguém é corredor. Nem velocidade, Raquel Castanharo tem razão. Já falei sobre isso muitas vezes, mas como são pessoas diferentes que leem, digo de novo: 5km, 10km, 15km, 21km, 42km, 56km, cada distância tem sua alegria e seu sofrimento. E sair para correr 5km é muito mais do que faz a maioria das pessoas do mundo, aquelas que estão no sofá.
Mas faz tempo que eu descobri que a meia maratona, ou seja, os 21.097km, é a minha prova favorita. Não pretendo tentar catequizar ninguém (ok, talvez impressionar), mas mostrar por que para mim funciona. Tem uma frase que ouvi na expo da maratona e meia de Amsterdam, quando eu disse que ia fazer a meia, e não a maratona: o dobro da alegria, metade do sofrimento. Para mim foi lindo.
Primeiro porque eu não acho que precise correr maratona para provar que sou uma corredora "de verdade" e "respeitável". E isso eu aprendi com meus treinadores ao longo dos anos, vendo gente incrível correndo 5km e 10km de um jeito que eu jamais consegui (e como atleta senior jamais conseguirei), forte e rápido. Acho muito triste quando pessoas que são influenciadoras (porque de fato influenciam) vendem a ideia de que é a maratona que divide quem corre de quem só brinca. Isso faz não só corredores iniciantes, mas também mais avançados desanimarem, sabe? Tem gente que vai passar a vida sem correr maratona, sendo baita corredor, e tem que se lembrar disso.
Mas também não vou dizer que maratona "não é para todo mundo", porque não acho que seja verdade. É para qualquer pessoa que tenha saúde, tempo e disposição para: treinar muitos km por semana, manter o fortalecimento/musculação para não se lesionar durante o ciclo, se alimentar corretamente (mesmo), dormir o suficiente para conseguir treinar, não matar treino, correr no frio, no calor, no vento, talvez na chuva. Sim, isso é ciclo de maratona. Talvez seja para todo mundo, só que não o tempo todo da vida.
Eu gostei de treinar para maratona, tem toda a saga da primeira aqui no blog, mas eu tenho muito claro que precisa caber na minha vida sem me fazer sofrer, porque para sofrer já temos outras coisas, a corrida é para dar alegria. O dia da maratona é a formatura, especialmente para quem fez tudo direitinho. Até lá, são dias e dias. E se não conseguir pensar no objetivo a longo prazo, e que a recompensa demora, aí, bom, talvez não seja para você.
Eu não sou uma corredora de autoestima elevada. Acredito que sou o que treino, por isso levo a sério, e sou super insegura com a distância. Mesmo tendo fé no processo, eu fico nervosa com a rodagem. Nas duas maratonas, o maior treino foi de 34km, e me parecia pouco, queria ter feito 43km, sabe? para garantir que os 42km sairiam. Deu tudo certo, em ambas, e principalmente, terminei muito feliz e nada quebrada. Cansada, mas não quebrada. Devo dizer, contudo, que a cada longo de final de semana, cada vez mais longo, era uma destruição o resto do dia, exausta. Porque não sou atleta profissional, ou seja, já tinha o cansaço natural da vida e da semana, e o descanso vinha na forma de 28km correndo. Por isso é para quem quer fazer isso, e não quem faz porque disseram que é assim que deve ser. Influencer tem vida de atleta profissional (no tocante a tempo para treinar, horário, estrutura, etc) sem a pressão da performance para continuar no jogo. E tem os recebidos. Pensem nisso.
E aí para mim, que gosto de correr em viagem, seja viajar para correr, seja correr como aproveitamento da viagem, a meia maratona é um objetivo bem mais simples. Claro, isso agora, que eu corro há mais de quinze anos. Eu já sei o ciclo, sei até mais ou menos os treinos de cada semana, fico na minha zona de conforto mental (ou de controle). Hoje, por exemplo, fiz 15km, semana que vem tem prova. Eu sei que vou correr a meia maratona toda. Não sei quanto tempo farei, como me sentirei durante e depois, mas sei que vou dar conta, que o banho vai ser gostoso depois, e que posso ainda fazer uma social. E esse sentimento de dar conta pelo menos de uma coisa nessa vida, é bom demais. Estimula a acreditar que o resto também pode dar certo. Que todas as leituras que eu tenho que fazer, artigos, resenhas, mesmo parecendo soltas agora, vão fazer sentido quando eu for escrever a tese do doutorado.
Ah, não mencionei, né? Cursando as disciplinas do doutorado desde o ano passado. Pois é. Não há nenhuma condição de encaixar treinos para distâncias maiores de 21km. Se eu fizesse isso, seria fuga da realidade que eu mesma escolhi para mim, e provavelmente nada ficaria minimamente bem feito. Já para a meia, é o meu tempo de qualidade que eu uso para correr, para ter algo meu, para garantir o réu primário, para não enlouquecer com doutorado, audiências, programa de equidade, vice presidência da Amatra, aulas, e vida familiar (coitados).
Ilustrando. Meia maratona de NY, a primeira: eu com relógio que apenas marcava o horário, cronômetro e batimento cardíaco. Eu tinha que confiar na marcação oficial da prova e ir fazendo conta do tempo dos kms. Roots. Depois do banho pós prova, caminhamos muito procurando o restaurante que eu tinha escolhido para almoçar, com uns 10 graus de temperatura. Buenos Aires, 2012: caminhamos mais de uma hora depois da prova porque não conseguimos táxi. Rio, 2014: caminhamos quase uma hora até um lugar em que passavam táxis. Foi excelente o perrengue? Não, eu não sou Pollyana nem vou procurar o lado bom. Só vou dizer que dei conta.
Os treinos para meia maratona são longos o suficiente para contar como um baita treino, mas não são tão longos que eu tenha pânico de ficar toda assada, com bolhas ou sangue nos pés. Quando começa a ficar ruim, está acabando. Os treinos de velocidade, os famosos tiros, são de até 2km (na planilha do meu treinador), ou seja, o limite da sanidade. Dá para manter a musculação em dia, como tem que ser. Não exige tanta suplementação nem tantas idas à nutri para acompanhamento (leia-se gasto menos).
Até para o mercado da corrida é bom meia maratona. Um corredor amador que gosta de fazer prova, pode fazer até 4, 5 meias maratonas por ano (cada inscrição, para quem não está familiarizado, custa dinheiro, cada vez mais dinheiro). Maratona, certinho, é uma por ano, embora eu saiba de quem faz 2 ou até 3. Mas nem sempre fazem no ano seguinte (às vezes não fazem nunca mais).
Quem gosta mesmo de fazer prova, e eu já fui essa pessoa, eu recomendo ficar em 5km e 10km, que dá para fazer prova praticamente a cada duas semanas (para não se quebrar), ou pelo menos uma por mês, em lugares diferentes (olha aí os organizadores ganhando dinheiro). Quando eu fazia mais provas, claro que fazia a maioria de 10km, e às 8h30 de domingo já estava de banho tomado, medalha guardada, café da manhã, cheirosinha e pronta para o dia. Nem precisava do cochilo depois do almoço!!
Mas hoje em dia eu gosto tanto do ato de correr, que fica mais gostoso depois do 8km, 10km, então a meia é para mim. Pode ser porque a lesão crônica me tirou da pista algumas vezes, teve a pandemia que me deixou insegura sobre treinar, treinar, e depois não ter a prova para fazer, então não estou pronta para ter um objetivo power top master daqui a um ano e se der errado ficar frustrada porque aí só no outro ano. Sair para correr e terminar o treino sem dores é algo inigualável dentro da corrida para mim hoje. E realmente não quero que o treino acabe, só que racionalmente eu sei o que funciona, conheço mus limites, e aprendi do pior jeito que é o volume de km que pode trazer os sintomas da lesão compartimental crônica de forma mais efetiva.
Como quase tudo na vida, autoconhecimento é a chave do sucesso. Saber o que funciona e dá alegria para cada uma, cada um, é libertador. Os limites mudam não só pela idade, mas pela condição do momento, de novo, de como a corrida cabe na sua vida, e não como a sua vida vai caber na corrida, a não ser que estejam te pagando para correr.
Eu não sei quantas meias maratonas eu fiz, estou aqui procurando uma IA que procure minhas inscrições para eu somar. Se alguém achar me conta. Parece esnobe dizer "ah, nem sei quantas foram", mas não é a intenção. Corri a primeira em 2011, as medalhas não estão mais todas comigo (eu me mudei muitas vezes, medalha pesa, não deu), estamos em 2025, não fiz nenhuma em 2020 e 2021, eu acho. Sei que tenho que recalcular a rota para essas provas hoje em dia, ter menos expectativa sobre velocidade e tempo, e tenho uma certa preguiça de acordar cedo mais um dia, agora que acordo bem cedo todos os dias (6h15 para meus padrões de humor e vivacidade é bem cedo).
Houve um tempo em que o Arthur corria comigo nos últimos metros, fotos lindas. O adole que agora quer hibernar nas manhãs do fim de semana. Que bom que aproveitei. Também houve um tempo em que o legal era ir com todo mundo da assessoria, tenda, festa, e eu aproveitei. Agora sou mais ensimesmada. Vou pensar sobre isso.
Por fim, mas não menos importante, não atropelar as etapas segue sendo um método eficaz para a longevidade na corrida. Respeitar o corpo também, e seguir a planilha, sem ficar inventando porque "estava se sentindo bem". Lá vou eu para mais uma. Quem sabe eu conte depois.
Pela foto acima, nota-se que dá tempo até de ser tola sem estar com cara de acabada (claro que não sou idiota, pago pelas que ficaram boas).
Comentários
Postar um comentário