Desafrio: missão cumprida. Ai como dói...

Os últimos trezentos metros do Desafrio em Urubici são os maiores do mundo. Parecia que eu nunca ia chegar. Ainda bem que o Ruy foi me esperar logo, porque eu estava realmente exausta, então precisava de alguém puxando.
Então, vamos por partes. É uma prova incrível? Sim. Diferente de todas as outras, inclusive as de aventura? Sim. Chegou a Amanda e perguntou: e aí, amiga, gostou?  ai, não muito...(momento das vaias...). Como não, né? Todo mundo adora! 
Eu treinei bastante, mas nada nos prepara para o que está lá esperando.
Choveu a semana toda. Na sexta feira fui de manhã de carona, para me ambientar, e lá fiz um trote de vinte minutos com a Giovana. Senti a respiração diferente, a altitude pega.
Choveu a noite de sexta para sábado. Não, não choveu. Caiu o mundo, com muitos raios e trovões . Acordei às 3h da manhã por causa do barulho. Só pensava que ia estar tudo uma beleza no dia seguinte. Lembrei da minha mãe, que sempre que chove em véspera ou dia de prova, ela me diz que vão cancelar, como se as pessoas só corressem no sol.
O astral da prova realmente é um diferencial, porque é bastante gente, mas não demais, e muitos já se conhecem de outras provas de aventura ou do ano anterior, vão grupos grandes de algumas cidades, então aquele momento pré largada é muito gostoso. Como choveu, não estava muito frio, estava bom para correr. 
O Ruy largou, e eu fui tomar café na pousada, para depois subir para esperá-lo. Só podíamos ir de carro até um ponto do caminho, e depois os corredores iam de ônibus para o topo do Morro da Igreja, acompanhando os corredores que já estavam no asfalto. Deu certo, mas dava um medo..parecia que o ônibus não ia vingar. Passamos vários corredores da Adventure, e o Ruy já estava bem adiantado.
Depois de pensar bastante, resolvi ir com meu tenis Vomero, e não trocar pelo de trilha no caminho. Queria conforto e um tênis que eu já confio, e cheguei à conclusão de que com tanta chuva não ia ter trava de tênis de trilha que impedisse de escorregar. Fui de calça comprida (de leve compressão) mais pela lama que eu sabia que teria do que pelo frio. Top, regata, manguito e uma de manga comprida por cima. Touca na cabeça (frio na orelha). Cinto de hidratação com garrafinhas, gel de carbo, sal. E uma paçoquinha para antes de começar a correr. Sim, doutora bugiganga total. 
Quando cheguei no topo do morro, estava bem fechado, não dava para ver nada de paisagem, neblina total. Fui ao banheiro, e enquanto eu estava lá finalizando o último xixi pré-prova (no frio dá mais vontade) comecei a escutar chamarem o meu nome. Lei de Murphy total, saí que nem a louca do banheiro, o Ruy esperando cheio de cãibras, coitado, tiramos o chip dele, coloquei no meu tornozelo, e só deu tempo de botar as garrafinhas no cinto e sair correndo, literalmente. Sorte que já subi pronta, com o porta número, cabelo preso, tudo certo. Alongar? o que é isso?
E a gente larga descendo. Delícia total. Para isso eu tinha treinado, e me concentrava em não ir rápido demais, porque na hora não dói, mas quebra muito, e ali era só o começo.
Mas como é bom...nossa, a sensação é incrível naquele morro tão alto, e a gente se largando na descida. Isso dura pouco, muito pouco, porque embora a gente diga que vai fazer a descida da prova, o próprio morro, na parte de asfalto, tem muitos aclives também, alguns mais íngremes, e outros só chatos, porque constantes. Tentei manter um pace razoável, e nas descidas ser feliz. Passei um bocado de gente nesses primeiros 9km, aproximadamente. 
Mas aí acabou...e começou a trilha. Só de olhar o início, dava um desespero. Era muita lama. Como nunca vi, nem no k42. Não tinha desvio, não tinha lado bom, e em alguns pontos, nem menos pior. Era tudo ruim, e com cheirinho da natureza, sabe? aquela natureza de vacas, porcos...quanta bosta misturada com a lama.
Travei total nos primeiros 3km. Ficava tentando desviar, não saía do lugar, medo de escorregar e me esborrachar na lama, um horror. Nisso começaram a me passar. Um povo que no asfalto tinha ficado lááááá atrás me pegou rapidinho. Já comecei a pensar: ai, por que, né? por que eu insisto em fazer isso, se acaba sempre assim, eu reclamando de um terreno que já sabia como seria, e mantendo o mesmo padrão. De corrida e de reclamação.
Vão passando os pelotões, e eu ficando, passam pessoas sozinhas, e eu ficando. Ruim demais.Esse tipo de pensamento é péssimo para o momento, tendo que lembrar que embora seja competitiva, nessas provas eu não tenho chance, não vou para isso, o objetivo era conhecer e me divertir, e eu não estava encontrando isso dentro de mim.
Eis que veio um pelotão com uma menina na frente, e ela não desviava das imensas poças de lama (vide fotos no face), ela mergulhava os tênis caros bem no meio delas, com vontade, e isso a fazia ser muuuuuito mais rápida, porque ela conseguia correr, embora fosse difícil.
Isso me deu um estalo: faltavam ainda uns 5km de trilhas, ia ser tudo desse jeito lama/bosta/lama, se eu continuasse naquele ritmo não ia chegar nunca, e ia ficar ainda mais infeliz. Chega de frescura, vambora. Apertei bem os cadarços do tênis para não perder nas poças, e enfiei o pé na lama, literalmente. Na verdade, foi uma libertação. Nem sempre o resultado era ótimo, porque tinha lugares com buracos fundos, e tirar o pé de dentro ficava cada vez mais difícil com o tênis molhado pesando. Mas pelo menos eu saía do lugar, e comecei a achar mais divertido, porque uma vez sujando, dali em diante tanto faz o tamanho da sujeita, de maneira que eu conseguia correr bem mais do que antes (o que não significava grandes corridas, bem entendido, era mais um trote de passadas curtas e rápidas). 
Claro que existem trechos de descida na trilha que correr era impossível, mesmo para os tops. 
O negócio é que, como já tinham me dito, a descida é solitária. Na subida há muita gente junta, depois dispersa. Então a gente fica vários quilômetros sem ver ninguém, ou vendo uma, duas pessoas. E como está difícil, não dá para conversar muito.
A vista lá de cima é muito bonita, tem a cascata, o verde, os paredões de pedra, mas não dava para parar para olhar porque ia para o chão se perdesse a concentração. Acabei aproveitando muito pouco, e como o mundo inteiro está cansado de saber, corro o dificil apenas pelo visual.
Sinceramente, com todo o respeito à vegetação local, às maravilhas da natureza de lá...eu gosto mesmo é de ver praia, areia, mar. Isso é da pessoa, não adianta. Na Volta a Ilha já passei até mais sofrimento do que na trilha do Desafrio, mas eu sabia que o mar me esperava, a areia, e isso me alimenta de energia. Lá, eu não encontrava energia que me desse o retorno que eu precisava. Para sofrer, eu preciso da compensação.
E a trilha não tinha fimmmmmm!!!! Pior é que eu ficava triste porque pensava que todo mundo estava gostando menos eu, ou seja, a errada obviamente sou eu.
No meio da trilha, passei por umas crianças que me pediram comida. Hã???? Como assim? pedir comida para quem está correndo? O que será que elas pensam? que a gente leva misto quente, batata? Ta, tem gente que leva paçoca, bisnaguinha, mas é sempre contadinho (e geralmente amassadinho também) para o corredor. 
Já no final da trilha, há comunidades que a gente vê que são de pessoas bem simples, e não tem nada em volta, bem isolado.
Terminando a trilha (e eu sonhando com o momento), começa a estrada de chão, que a Clenir tinha me dito que era ótima para correr, porque plana. Sim, mas choveu. Então até essa estrada estava escorregadia e com barro. E eu cheguei nela querendo fazer pace de 5'10, 5'15 no máximo, mas ja estava muito cansada. A trilha me sugou muita energia e muita perna, já não estava com a folga que eu pretendia, o negócio era sobreviver para terminar. Tentar deixar as pernas irem sem pensar, mas elas não iam muito, sabe? 
Para terem ideia do tipo de lugar que  a gente se mete, no final da trilha eu encontrei uma vaca, no meio do caminho, mesmo. Eu e o fotógrafo rimos muito, e eu desviei dela, porque naturalmente eu era a invasora. Essa é a parte divertida do negócio, o inusitado. 
Quanto à estratégia, eu dividi a prova conforme o número de gel de carboidrato a tomar: 7km, 14km, 21km, e aí era só terminar. Para mim, funciona bem, porque não penso em 25km, penso nos  7 que preciso correr. Tomei o gel ainda no asfalto, peguei água na entrada da trilha, depois tomei gel na trilha mesmo, com a minha água, e na estrada final tomei mais um, com água do posto de hidratação, o último. Não são muitos, mas isso a gente ja espera da Ecofloripa, e já tem mais do que na Volta à Ilha (que só tem um hahahaha).
Houve um momento em que eu bati no muro. A sede era maior, as pernas não estavam mais querendo correr. Olhei no garmin e estava lá: 21km. Meu muro. Como se esse fosse o limite. Nessa hora, o cérebro entra no comando: "já fiz treino de 24km, já fiz teino de 22km, eu corro mais de 21km direto". Fui.
Chegando na igreja da cidade, o Ruy me esperava para terminarmos juntos. O Arthur e os filhos do Ruy, o Otávio e a Martina, nos acompanharam na chegada, e é nesses metros finais que eu penso que tudo valeu a pena, que eu venci e superei esse desafio. Com sol, tudo seria diferente, tenho certeza. Aquela nhaca toda me desanimou, então fui na raça. Pensava no quanto eu gosto de correr, de asfalto, e aquilo não era correr. Alias, no final, eu sentia que estava me arrastando.
Prova ótima para ter no currículo. Alto nível de dificuldade, que triplicou com a chuva anterior, quilometragem alta para meus padrões (vejam, não sou maratonista, então passou de 21km para mim é muito, sempre muito), corrida de aventura, no frio, paisagem diferente, astral excelente. Mas, está feito. Conheci. Beleza. Next. Claro que olhando as fotos, não parece isso, né? Eu tenho esse negócio de rir na adversidade, acho que mais de nervosa do que de alegria, tirando as fotos do asfalto e da chegada. 
Na verdade, penso o seguinte: eu escolhi vir, ninguém me obrigou. Treinei para isso e vim. Então vamos lá!
Meus aplausos para todos os que foram e completaram com seus parceiros, como a Clenir (sem ela não teria treinado aos sábados) e a Grazi, Giani e Carlos, e todas as outras duplas, e especial parabéns e louvores para os meus malucos favoritos que fizeram os 52km todinhos, e como não vou falar todos (já que vou esquecer de alguém) , falo da Giovana, que não só terminou a prova, mas terminou sorrindo e dançando, feliz demais, curtindo a prova e a sua superação, sua missão cumprida. De quebra (mas sei que ela não foi para isso), primeiro lugar na categoria. Minha ídola Gio!
O passeio até Urubici vale muito a pena. Ainda bem que ficamos, porque domingo de manhã o tempo melhorou e conseguimos uma bela visão de cima do Morro da Igreja, a pedra furada, fomos na cascata Veu de noiva, udo muito bonito realmente. Comemos maravilhosamente bem, recomendamos muito o Atrio Bistrô, da Juliana, e suas deliciosas trutas, e o A Taberna Bistro com seu entrevero limpinho.Gostamos também do Parador Santo Antonio, que tinha a melhor carne. 
Agora, pensa na dor no dia seguinte. Em tudo. Só não doiam as pontas dos dedos das mãos. Descer degraus era a morte. As panturrilhas hoje estão voltando ao normal, travadas a semana toda. É um baita esforço, a recuperação é lenta porque tem a descida e as trilhas, isso exige muito. Mas essa parte não me incomoda, está no pacote e passa. Fiquei muito feliz em ter feito esse passeio com minha familia e meu irmão com a Ale, foi uma delícia, e com eles todos comigo é sempre mais legal correr.
Meu obrigada de sempre ao coach Everton e suas ótimas planilhas, sempre acreditando que eu conseguiria. Treinar com a Clenir e a Giovana também foi muito importante para eu acreditar que era possivel.Quando a Clenir passou correndo por mim, e eu a vi descendo, achei tão linda a passada, a liberdade, a intimidade com a corrida..orgulho de ser amiga dessas meninas, viu?
Agora acabou a moleza, treinar para a meia de Gaspar, do Bela Vista!!  beijos, bom feriado. Vou trabalhar.






Comentários

  1. Parabéns Andrea pelo desafio!
    Muito bom o relato... ano passado também choveu dias antes da prova, mas esse ano disseram que foi bem mais.

    Mais uma medalha, uma história e uma grande conquista!

    Parabéns!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ficar velha x envelhecer - nós e Madonna

Desculpa qualquer coisa

Uma única coisa?