Do que você está sentindo falta?



Aviso para quem chegou. Vamos falar de corrida, baixo nível de profundidade. 
Sinto falta de um número de peito. Sinto, sim. Não só pelo momento, mas pelo que o antecede. 
Gosto de provas de corrida. Gostei desde a primeira, e, hoje, sinto uma pontinha de inveja de quem não faz a menor questão de participar de provas, que corre para si e toda aquela evolução espiritual que não tenho. 
Por outro lado, como eu gosto de fazer vários tipos de prova, o cancelamento de uma prova alvo não acaba comigo porque tenho mais facilidade em recalcular. Tem gente que passa a temporada se preparando para "a prova", e se ela estava marcada para o primeiro semestre de 2020, sorry, mas não vai acontecer. E se os treinos eram sofrimento só tendo como foco a prova, fica pior. Por isso gostar da jornada do ciclo é tão importante, e correr pela saúde nunca é "só". Para a segunda maratona eu acabei ficando fora de várias outras provas para não perder o foco, e não gostei, porque criei muita expectativa sobre ela, e como o povo que lê aqui sabe, não tive o resultado que esperava e para o qual treinei.  
Quanto mais a Debs pergunta "por que você corre"?, mais dúvidas tenho. Sobre correr? não. Sobre a motivação. Descobri que não é só por causa das provas, mesmo sentindo  falta delas, e adorando a adrenalina e a medalha no peito. Eu aprecio o preparo dos treinos, a programação, a evolução, a rotina. Aprecio o vazio do cérebro quando corro rápido e a clareza do pensamento quando corro lento. Aprecio, principalmente, a solitude que a corrida me proporciona, o encontro comigo enquanto ouço música ou o vazio, a respiração, as passadas. 
Vejo gente com sede de quilometragem ou do suor que só a corrida proporciona, e aí a esteira pode dar jeito. Nem todo mundo tem a possibilidade de ter uma esteira em casa, por muito$$ motivos, e nem todo mundo é influencer e vai ganhar uma "emprestada", além da questão do espaço propriamente dito. 

Também uso a esteira quando necessário. Mas concordo com Balu, nesse específico: não é a mesma coisa que correr. 
Eu corro na esteira quando tenho um objetivo, uma meta, com data, e não posso perder um treino. E em Blumenau eu corria muito na esteira porque chovia muito quando eu morava lá, e as calçadas eram bem ruins. Nunca é por escolha no meu caso. E aí vem: mas agora você não tem escolha. Inclusive talvez nem a escolha da esteira, que não possuo (já tive, tá? quando Arthur nasceu, e me salvou porque eu não saía). 

Também não tenho a meta. Minhas metas do primeiro semestre se resumem a ter saúde e seguir as orientações dos cientistas, e correr se possível, para manter a sanidade e um mínimo de condicionamento e consistência. Não faz muito sentido um super ciclo para uma maratona em...setembro? outubro? Ou não? Vou rever minhas metas, já sei disso. 
Provavelmente tem gente sentindo falta de ser estimulado e elogiado na rede social, e eu não julgo. A gente corre, posta, há quem viva disso, literalmente, e há quem espere, como eu, que isso faça outros sairem correndo também, num grande círculo virtuoso. Mas agora tem quem não queira postar, porque teve tanto patrulhamento com quem corre no corredor de casa, no quintal, ou sobe suas escadas, que gerou constrangimento em alguns...
Muitos estão sentindo falta dos amigos da assessoria, corriam sempre em grupo e isso definitivamente tem que demorar para acontecer. E para quem está acostumado, perder esse convívio e estímulo é difícil.  Hora de avaliar a corrida na sua vida, se ela só valia a pena pela cia, então talvez o videogame funcione por enquanto, está salvando meu filho com jogos online com amigos reais. 
O que sei? quase nada. Sei que não é a mesma coisa pedalar, nem subir escadas, pular corda. Correr é correr, e nada se iguala. Mas quem já se lesionou sabe exatamente como é ficar sem correr. É horrível. Para quem não corre e para os coitados que convivem com essa pessoa. A diferença agora é que é como se todo mundo tivesse lesionado ao mesmo tempo, formando uma nova comunidade, a dos corredores que não correm. Ou correm pouco, e se deprimiram todos ao mesmo tempo. 
E o pior é a gente postando que talvez seja um aprendizado, que a gente não pode deixar o vício da corrida ser maior do que a nossa consciência, e que é para a gente pensar que ficar sem correr não pode ser encarado como o fim do mundo, trazer outros interesses, e bla bla bla. Todos os blas para ver se me convenço de que nem é tão bom assim correr, nem preciso. Tá bom. 
Aprendi alguma coisa até agora? Nossa, muitas. 
1. Não controlo nada. Essa é a verdade, a mais dolorida para controladoras. Estou com vários sachês de suplementos manipulado$$ para o ciclo da maratona de Porto Alegre, que passou para novembro, meu sonho correr em Porto Alegre no calor, sqn. Estão os sachês aqui, eu aqui...e a prova sei lá onde.
2. Correr pouco é melhor do que não correr nada, lembre-se disso na próxima vez que reclamar que tem pouco tempo e queria correr mais e outras reclamações afins. Tenho um espaço sem seres viventes perto da minha casa (só capivaras), e como não saio para mais NADA, corro por ali, mas se começo a ver gente corro de volta para casa, fazendo toda a conta dos 10 metros de distância da pesquisa holandesa. É tenso, mas serve. Nem todos tem isso.  
3. Talvez treinar para provas longas realmente consuma muito tempo, dinheiro e energia. Então pense se é o seu sonho ou se são os outros dizendo que corredor de verdade é quem corre sei lá quantos kms, quem faz maratona, que vai correr major, e tudo aquilo. Não tem essa de ditar regra na corrida. Correr é correr, e você tem a oportunidade de pensar que distância está te fazendo falta, ou se é só a endorfina, inclusive. 
4. Não ter prova não quer dizer que o mundo da corrida acabou. Mas isso porque eu sei que um dia teremos provas novamente. Não é o fim do mundo, mas só por isso. A esperança nos alimenta. 
5. Da próxima vez que acordar com preguiça num dia de prova, nem pense em não levantar. Fiz minha última prova em março, nem todos tiveram esse privilégio, ainda estávamos pensando se era essa desgraça de doença mesmo, e o Circuito das Estações de Floripa foi simplesmente a última prova antes do isolamento. Ainda bem que eu fui!!!
6. Se não pode correr, pode sofrer. Podeeeeee simmmmm. É um baita white people problem? Com certeza, se quem está me lendo não vive disso (que é o provável público kkkk). Mas correr sempre ajudou a amenizar vários outros problemas reais, mudar o ponto de vista, colocar em perspectiva. e sem correr, outros micro problemas crescem em gravidade, ainda mais ficando em casa.
E quem está precisando sair para trabalhar, quem está no front cuidando de doentes, quem precisa sair para cuidar de outras pessoas...correr poderia ser o escape e não está sendo, é bem mais duro.

Mas no final de tudo, depois de sofrer e fazer cálculos, e não ir nem até o mercado ou para buscar comida, para guardar a única saída a cada dois dias para correr um pouquinho no lugar deserto, ou não correr mesmo, só subir escada e ter dor na panturrilha, ficar cada vez mais forte porque aí faço com vontade os exercícios possíveis...a verdade é que tenho muito a agradecer por este ser o meu problema pessoal. Estou trabalhando e estudando o máximo que posso, Arthur está com aulas naquele esquema, não está com muita disciplina, tem a casa para arrumar, limpar, comida para fazer...uma vida que já narrei em outro texto, que trata de procrastinação, no https://www.evoluindodireitodotrabalho.com/post/como-funciona-uma-procrastinadora-no-isolamento-social
Eu me solidarizo com as pessoas que estão trabalhando MUITO e aquelas que trabalham se expondo ao vírus,  com as pessoas que estão SEM trabalho e um tanto apavoradas, me solidarizo ainda mais com as mulheres que estão tendo que fazer TUDO em muitas famílias em que a sobrecarga é toda delas, e ainda podem estar sofrendo violência de onde deveriam receber amor. 
O mais importante na solidariedade, para mim, é não gerar apenas o sentimento de sofrimento. Sim,  a gente sente culpa por outro estar  mal quando não estamos, é o que sente o sobrevivente de guerra quando seu batalhão morreu em combate, uma culpa de sobrevivência, isso significa - ufa - que somos humanos, mas estar na mesma péssima situação ou apenas deixar entrar o sentimento depressivo não ajuda o outro em nada, só para registrar. Um colega disse que sou utilitarista. Talvez. Eu  me permito reservar momentos em alguns dias para me sentir terrivelmente mal pelo que está acontecendo, e super preocupada com o que virá. 
Isso é importante para a conexão e para não me perder. Mas acho mais importante que isso gere algum movimento, em ações de doação ou arrecadação para quem precisa de alimento e de trabalho, comprar do pequeno que está lutando para se manter na arena, comprar almoço do lugar onde você almoçava todos os dias e agora tem delivery, divulgar o trabalho de todo mundo que você conhece e aprecia, manter o pagamento da assessoria, da diarista, de quem está no seu orçamento. 
Eu compartilho conhecimento porque essa é minha utilidade, através de lives e do podcast Drops de Direito do Trabalho, e faço o meu trabalho na magistratura o mais bem feito que posso, devo isso à sociedade que me paga e estamos sendo mais necessários do que nunca. 
Não sabemos quanto tempo isso vai durar, tento fazer minha parte para que seja o menor tempo possível, e o meu filho está de parabéns, embora tenha momentos de infinita chatice. 
Todos estamos dizendo que sairemos diferentes dessa, e espero mesmo que seja para melhor. Inclusive no que diz respeito à nossa relação com a corrida e com os outros corredores. Que tal, quando tudo voltar, começar não cancelando suas inscrições e, no dia da prova, não jogar copo de água, sachê de gel, no chão, pelo caminho? 
Temos muito para fazer e pensar, né não? Vou ler o livro sobre a mulher maravilha antes que venha outra Medida Provisória. bjs. 




Beer run, não gostei da prova, mas as fotos...ah Foco Radical arrasa comigo puxando um pelotão e a ponte mais linda que conheço ao fundo...































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