Itens de Coragem. Ou criando memórias afetivas na corrida

Memórias afetivas são aquelas que a gente tem de algo geralmente da infância, ou de alguma época há bastante tempo. É um cheiro, um gosto, um toque, uma situação, um momento, um abraço, algo que mexeu com as nossas emoções em um momento da vida, e aquilo fica na mente, esperando um estímulo para despertar. Não sou psicóloga, ficarei com a simplicidade da explicação. 
Bom, muitas memórias afetivas estão relacionadas a comida. Minha avó fazia umas almôndegas sensacionais, minha outra avó fazia pizza, massa dela, que era boa até gelada, antes de ir dormir. Minha terceira avó (privilégio) fazia banana frita com canela e açúcar e comíamos no pão (sim, comíamos tudoooo). Claro que quando sinto cheiro de banana frita lembro disso. De uma maneira linda, mas tenho plena convicção de que não vou gostar agora como gostei naquela época. Mas tem sua importância, e faz afagos no coração. Lembro bem, meu pai fazia carinho nas minhas costas para eu dormir, à noite. Suas mãos sempre eram quentinhas, era maravilhosamente aconchegante. Até hoje, se ele ou meu filho, marido, alguém que gosto faz carinho nas minhas costas, eu fico paralisada, curtindo a emoção que me vem. 
Nossa, e o que isso tem a ver com a corrida?
Vamos lá. Eu não era uma pessoa esportiva na infância e na adolescência (longe de ser boa no atletismo, no vôlei, no basquete, era basicamente ruim em tudo o que tinha nas olimpíadas do colégio, eu só fiz ballet - sem ser muito boa - e natação - era boa, mas fui ficando muito larga e minha mãe apavorou). A corrida entrou na minha vida adulta, beeeem adulta por sinal. Só que qualquer atividade nova faz a gente se sentir criança de novo, não é verdade? Fazer uma pós graduação, no primeiro dia de aula, o frio na barriga ainda vem, com a diferença de que somos bem menos corajosos. 
Quando você propõe um desafio a uma criança, como correr bem rápido, pular e dar cambalhotas, eles nem piscam, hesitação zero, vambora. Se quebrar o braço, paciência. 
O adulto tem noção demais do perigo, e fica mais reticente e cauteloso, digamos assim. Decidir e começar a correr é daqueles desafios que dá frio na barriga, porque você tem que se arriscar um mínimo para aquilo dar certo. Não, não é igual a andar rápido. Correr é correr. 
E aí você começa a armazenar lembranças na corrida e nem se dá conta. A primeira vez  que correu direto por 5 minutos, depois o primeiro treino completo sem andar, o primeiro bom tênis de corrida, o primeiro treino com uma turma, aquela vez  que choveu e você correu assim mesmo, aquela vez em que achou que ia desmaiar no calor, o dia em que correu na praia e tropeçou...
Quem não se lembra da sua primeira prova de corrida? na largada, o frio na barriga, a vontade de ir ao banheiro, a boca seca...e a chegada? ah, a primeira chegada! Eu nem sabia direito onde era hahahahaha. Todo mundo indo para lá, fui também, mas quando passei no portal, vi a importância da coisa toda. Não era igual treinar. Era uma emoção totalmente nova para mim. É essa emoção que eu quero dizer que é quase infantil. E essa emoção acompanha o corredor em muitas outras provas e eventos de corrida. Um treinão, como o Treino Mulheres que Correm, ou o Treino Maria da Penha...E é por causa desses sentimentos que eu me arrisco a dizer que o corredor cria memórias afetivas, ou seja, cheiros, sons, despertares, sabores na boca de suor com água, o sal no corpo...depois que eu comecei a correr, melancia sempre me lembra fim de prova. Esse é um exemplo simples. 
Cada prova tem um gosto, uma sensação, um desafio. Algumas a gente faz questão de esquecer, outras  de lembrar. 
A Volta à Ilha é uma prova que me desperta emoções bem fortes quando eu lembro. As primeiras, pela confiança do treinador Everton em mim, uma iniciante numa prova cheia de desafios. Depois provas em equipe, com amigas, fazem isso conosco. Não ganhamos em nenhuma das vezes  que corremos, mas isso realmente não era o mais importante. O espírito de equipe, o tempo que passamos juntas, as reuniões prévias, as risadas no planejamento, o encontro na noite anterior, as paisagens nos trechos, de tirar o fôlego (literalmente também), o medo de não dar tempo, tudo isso me traz aquele calorzinho, e acontece quando eu pego a regata da primeira formação das Sublimáticas da Volta, não porque a segunda não tenha sido assim, mas porque a camiseta foi criada naquela primeira formação, super exclusiva, linda, e porque depois não era mais a primeira vez que conseguíamos uma vaga (pela Giovana), para uma equipe exclusivamente feminina (porque ela foi top). 
A meia maratona do Rio que fiz ano passado, aquela dentro da maratona (não a outra, a da Globo não traz esses sentimentos bons). Quando eu coloco a camiseta, que é linda, me vem à mente os treinos, a viagem, o percurso, e chego a sentir a mesma alegria de quando estava lá correndo e na chegada. 
A camiseta que eu corri os 15k de São José foi mulheres que correm, entre outras provas que fiz com ela. Mas nos 15k eu fiquei em 5º lugar geral, então foi uma baita emoção. Aliás, por tudo que Mulheres que Correm já representa para mim, pelo seu ideal de empoderamento feminino pela corrida, usar qualquer camiseta mqc me faz bem. 
E a regata que fiz especialmente para a meia de Mallorca? Eu olho para ela e sou feliz. Simples assim. 
Não são peças que lembrem resultados excelentes em prova, necessariamente, pode ser só aquela que teve  chegada com o filho, mãe, pai, marido, esposa, ou quando eles finalmente foram te ver numa prova. Quando o treinador correu com você. Aquela fora do país. Quando um desconhecido te puxou naquele km decisivo...Têm relação com emoção, sentimento, que o dia te trouxe. Geram aquele "ah, aquela prova...".
Mas não é só camiseta. Tem tênis, manguito, bermuda, short, meia de compressão... e sim, tem até gel de carbo, que eu ponho na boca e me traz alguma lembrança de uma prova e gera um sorrisinho de canto.
E essas recordações físicas, ou seja, tênis, camiseta, viseira...são meus itens de coragem. Coisas (sim, são coisas) que eu escolho usar ou consumir quando eu sei que terei um treino difícil pela frente. Quando acordei sem vontade nenhuma de ir,  ou com medo do tiro não sair no tempo certo, ou quando estou cansada. Eu coloco aquele item que me faz sentir wonderwoman da corrida. Eu quero, posso, consigo, sabem? Me olho no espelho com a camiseta das sublimáticas e lembro que eu posso tudo, e que enquanto ela estiver em mim eu não vou me esquecer disso. 
Quando eu coloco a camiseta da assessoria o sentimento é outro, de não posso envergonhar o pessoal. E vale também!!
Agora quando eu levo alguém para começar a correr (boto para correr, como sabem, porque sou bem persuasiva), tento chamar a atenção para esses sentimentos que a pessoa tem ao longo de treinos, e quando faz provas, para criar as memórias, e ter os seus próprios itens de coragem quando for necessário. E quando chegar o dia de um grande desafio, já tem onde se amparar dentro da mente para seguir em frente, mesmo sem o item.  
Ontem eu me senti mal durante o treino de tiros e realmente tive que parar. Não era minha cabeça, era meu corpo. Provavelmente o termogênico muito forte, num dia quente, num treino punk, me fez subir os batimentos e dar uma pressão na cabeça, que deixou minhas pernas pesadas como chumbo. Desistir do treino no meio é bem ruim para a cabeça, além de não queimar os pães de queijo com pasta de amendoim que comi antes, na certeza de que ia precisar daquilo tudo. Mas era necessário, tive medo de desmaiar na rua. 
Hoje era novo dia, mas sempre dá aquele medinho. Então o que fiz? usei dois itens de coragem. 



A camiseta é essa. Tem muito significado, e esse negócio da bebida, apesar de ser uma brincadeira, tem uma dose de realidade, porque terminamos a prova com uma espumante gelada e um sorriso no rosto graças à Rita, corredora que faz com que tudo seja um mega evento.

O tênis é o Pegasus 34, primeiro porque ele não falha, e segundo porque com ele concluí as últimas meia maratonas que fiz, então ele me deixa confiante. Gente, funciona. Tenha seus itens de coragem, crie memórias afetivas, e traga ainda mais felicidade para a sua vida de corredor!!

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